A interação de altos volumes e intensidades de treinamento físico por longos períodos com insuficiente recuperação física e mental pode resultar num estado de má adaptação crônica e queda desempenho físico denominado overtraining.
O overtraining é uma síndrome (a expressão “síndrome”, enfatiza a etiologia multifatorial e reconhece que o exercício físico não é o único causador) caracterizada pela fadiga e baixo desempenho físico e precipitada por fatores de estresse advindos ou não do treinamento físico na ausência de recuperação adequada. Especificamente é definido como um desequilíbrio entre treinamento, competição e recuperação. Outros fatores estressores (sociais, educacionais, ocupacionais, econômicos, nutricionais e excessivas viagens) e desconhecimento dos técnicos da importância de um acompanhamento multidisciplinar durante a temporada esportiva podem contribuir para o desenvolvimento da síndrome. Muito embora seja difícil uma estimativa precisa, a prevalência da síndrome de overtraining, avaliada retrospectivamente, gira em torno de 10 a 65 % dependendo da idade e do nível competitivo dos atletas.
Basicamente existem dois tipos de overtraining, o simpático, que é verificado pela predominância da atividade simpática, e caracterizado por sinais como aumento da frequência cardíaca (FC) de repouso, aumento da pressão arterial (PA), diminuição do apetite, perda de massa corporal, distúrbios do sono e irritabilidade. Este tipo de overtraining ocorre com maior frequência nas modalidades esportivas anaeróbias onde força e velocidade são predominantes. No overtraining parassimpático, verificado pela predominância da atividade parassimpática, observa-se queda da FC e PA, sonolência excessiva e depressão, fadiga, apatia e queda de desempenho físico. Este tipo de overtraining é mais crítico nas atividades em que a resistência cardiorrespiratória é predominante e seria causado pelo desequilíbrio da função autonômica. A hipótese proposta para o overtraining parassimpático seria a queda da atividade intrínseca simpática, o que levaria à fadiga central. Esta alteração pode ter ligação com o desequilíbrio de aminoácidos causados pela síndrome, com elevação cerebral dos níveis de fenilalanina, treonina e triptofano, com consequente aumento da produção de serotonina – neurotransmissor relacionado com a fadiga central. Apesar de em ambos os tipos de overtraining ser observado uma queda de desempenho existe algumas características diferenciais, como por exemplo, excitabilidade versus depressão, impaciência versus inibição, taquicardia versus bradicardia, perda de massa corporal versus massa corporal constante, recuperação lenta versus recuperação rápida, quando se compara o overtraining simpático e parassimpático, respectivamente.
O treinamento físico pode ser definido como um processo de sobrecarga que é utilizado para “romper” a homeostase orgânica, o que resulta em fadiga aguda. Posteriormente, na fase de recuperação, o atleta não só recupera como melhora o desempenho físico, fenômeno conhecido supercompensação. A sobrecarga, é a carga de treinamento necessária para promover as adaptações morfológicas e fisiológicas nos sistemas orgânicos e se fundamenta em quatro princípios: (1) a intensidade, que é a carga de treinamento, por exemplo, a velocidade de corrida; (2) o volume (duração), que se refere ao tempo de uma sessão de treinamento e (3) a frequência, que é o número de sessões de treinamento por semana. Além desses princípios, o treinamento envolve a especificidade, que corresponde à natureza da sobrecarga utilizada, ou seja, durante o treinamento deve ser utilizada especificamente a musculatura envolvida na atividade praticada. Outra característica importante do treinamento físico é a reversibilidade, que significa a perda das adaptações desenvolvidas com a mesma velocidade com que foram adquiridas. Baseados nestas características, o treinamento que é constituído de uma periodização e planejamento adequados, contém três ciclos básicos, o microciclo, mesociclo e macrociclo. Nestes ciclos, a intensidade da sobrecarga deve ser cuidadosamente manipulada, assim como as pausas entre as sessões ou fases do treinamento, de modo a aperfeiçoar o desempenho físico do atleta, sem ultrapassar seu limite biológico.
Nesse contexto, o planejamento incorreto destes diferentes ciclos pode levar o indivíduo ao desequilíbrio funcional, com importantes alterações homeostáticas, que quando prolongadas induzem ao overtraining. Destaca-se que as causas do overtraining são diversas e dependem do tipo de treinamento aplicado, da interação entre volume e intensidade e do período da periodização do treinamento. Portanto, a boa preparação física consiste em maximizar o desempenho atlético, minimizar o risco de lesão e fadiga, e consequentemente o risco de desenvolver overtraining.
Uma sessão de treinamento pode levar ao aumento na aptidão física e/ou aumento da fadiga. A fadiga é diferente da exaustão. A exaustão é caracterizada pela incapacidade de desempenho físico em um determinado nível de demanda energética. Geralmente, atribui-se o termo fadiga ao processo crônico, e o termo exaustão ao processo agudo. A síndrome de overtraining é caracterizada por uma fadiga crônica e persistente. A natureza do estímulo que determina a fadiga é variável, enquanto o velocista pode entrar em fadiga em segundos em associação com elevados níveis de lactato, o maratonista pode chegar à fadiga somente após duas horas devido à depleção do glicogênio. A fadiga motora é descrita como um acúmulo de fatores internos e externos que promovem uma resposta negativa do organismo levando a um decréscimo do desempenho físico e importantes alterações psicobiológicas.
O estado de overtraining, caracteriza-se por um acúmulo de fatores estressores relacionados ou não ao treinamento que resulta na diminuição da capacidade de desempenho físico por longos intervalos de tempo. Pode ou não ser acompanhado de sinais fisiológicos e psicológicos associados com adaptação inadequada ao treinamento físico e cuja restauração pode levar algumas semanas, meses ou mesmo anos. Este quadro requer repouso, tratamento e remanejamento do treinamento. Vários outros termos relacionados ao overtraining são descritos na literatura entre os quais burnout, staleness, síndrome da fadiga crônica, overwork, overload training, overfadigue, overstrain e unexplained underperformance syndrome; o que já causa certa confusão quanto à sua caracterização.
O estado de overtraining só pode ser atribuído aos atletas que apresentam queda de desempenho e alta percepção de fadiga. Além disto, podem apresentar fadiga, desmotivação, falta de interesse, queda de energia e espírito de competição, desânimo e incompetência para as tarefas, confusão mental, desequilíbrio emocional e perda de libido no período de repouso. Estes sintomas são frequentemente acompanhados de aumento de ansiedade e depressão, irritabilidade e problemas de sono, incluindo pesadelos e sono intermitente. Há também registros de perda de apetite e força muscular, acentuada dor muscular e transpiração excessiva. Além disso, os atletas neste estado apresentam uma resposta deficiente do sistema imunológico e consequentemente estão mais susceptíveis a infecções e lesões.
O profissional da área da atividade física/esporte deve ficar atento aos sujeitos que acompanha e monitora, e planejar de forma correta o treinamento de modo a evitar interrupções temporárias do treinamento que podem variar, de duas semanas a três meses até um ano ou mais, dependendo da gravidade do quadro. A importância de se estudar o overtraining está em preservar à carreira, e principalmente a integridade fisiológica dos atletas sejam eles de alto nível ou não. Desta forma, é importante que técnicos e preparadores físicos tenham as informações essenciais sobre o estado de overtraining para que possam reconhecer as consequências e efeitos da “dose” diária de treinamento de modo a prevenir o overtraining.
Na mesma linha, fazendo um link com a síndrome de Burnout, esta síndrome está relacionada com a interação prolongada com fatores estressores crônicos do ambiente de trabalho versus descanso inadequado, ou seja, não é possível se recuperar totalmente da sobrecarga crônica e prolongada em curtos períodos de recreação e tempo de descanso, geralmente, nos finais de semana, de forma a reduzir a fadiga mental e física e a intensa sensação de esgotamento. Simplificando, seria uma espécie de overtraining só que sem o componente físico. Mas este assunto importante será abordado em textos futuros.