Os atletas máster são um grupo que se situa no extremo oposto, do espectro de saúde e funcionalidade, do idoso sedentário e frágil. Esses atletas são dotados de capacidade funcional substancial, saúde geral de longo prazo, alta motivação e perspectivas psicossociais. Os mesmos estão combatendo o dogma e os estereótipos negativos dos idosos e do envelhecimento. Cientificamente, a avaliação de atletas máster pode fornecer informações sobre a gerontologia preventiva, a prevenção primária de doenças e disfunções relacionadas à idade e práticas médicas baseadas em exercícios físicos. Além disso, o estudo destes atletas é fascinante, pois muitas vezes nos lembra o que pode ser possível durante o processo de envelhecimento.
Por exemplo, temos o caso da canadense Olga Kotelko, detentora de mais 30 recordes mundiais em diversas modalidades de atletismo, que faleceu no ano de 2014, mas teve seu cérebro estudado cuidadosamente em 2012 pela Universidade de Illinois nos EUA. Os pesquisadores compararam o desempenho cognitivo de Olga e as características da ressonância magnética de seu cérebro com outras 58 mulheres com idades entre 66 e 78 anos. Nessa época Olga tinha 93 anos. Os resultados foram publicados na revista Neurocase no estudo intitulado na tradução para o português “Integridade da substância branca, volume do hipocampo e desempenho cognitivo de uma atleta de atletismo nonagenária mundialmente famosa”. O estudo mostrou que o cérebro de Olga era mais volumoso do que o esperado para sua idade. Surpreendente foi encontrar que a parte do cérebro que liga os dois hemisférios, o corpo caloso, era mais intacta em Olga do que entre as mulheres dez ou vinte anos mais jovens! O desempenho cognitivo de Olga mostrou-se levemente inferior ao das mulheres mais jovens, mas superior ao de mulheres da mesma idade não atletas. Os hipocampos de Olga, área cerebral responsável pela memória, também eram menores que o das mulheres de 60-70 anos, mas maiores que o de mulheres da mesma idade. Estudos prévios já haviam demonstrado que a atividade aeróbia é capaz de garantir um bom funcionamento cerebral entre os idosos e até preservar o volume de algumas áreas estratégicas do pensamento e memória como o hipocampo. E o mais interessante é que Olga iniciou sua vida de atleta aos 65 anos e passou a se dedicar ao atletismo aos 77 anos. Competiu em corridas curtas e longas, saltos e arremessos de disco, martelo e dardos.
Há outros casos excepcionais como, por exemplo, em 2005, do japonês Kozo Haraguchi (de 95 anos) que bateu o recorde mundial nos 100 metros rasos com o tempo de 21,69 segundos e em 2003, o canadense Ed Whitlock que se tornou a pessoa mais velha a quebrar a barreira das 3 horas numa maratona com a idade de 73 anos.
No entanto, a despeito de ser algo extraordinário é preciso monitorar de perto atletas com 60 anos ou maior pelos riscos de morte súbita de origem cardíaca e lesões ortopédicas. Sendo assim, avaliação pré-participação esportiva em atletas máster é essencial já que têm maior risco de lesões e complicações do que adultos jovens. Destaca-se que doença arterial coronariana é a causa mais comum de morte súbita cardíaca em atletas com mais de 35 anos. Atividades vigorosas não habituais podem resultar em infarto do miocárdio e morte súbita em atletas da 3ª idade. Para segurança, histórico completo e exame físico inicial é o 1º passo na triagem pré-participação.
O fato de os idosos que se exercitam terem uma saúde melhor em comparação aos que são pouco ativos pode levar as pessoas a acreditar que a atividade física pode retardar o processo de envelhecimento. Mas a realidade é que esses idosos ativos são exatamente como deveriam ser. Em um passado distante, éramos todos caçadores-coletores e nossos corpos foram desenvolvidos para serem fisicamente ativos. Portanto, se uma pessoa ativa de 80 anos tem uma fisiologia semelhante a um indivíduo de 50 anos, é a pessoa mais jovem que parece mais velha do que deveria, e não o contrário.
“Estudos indicam que a PRÁTICA REGULAR DE EXERCÍCIO FÍSICO É MAIS EFICAZ QUE QUALQUER DROGA já inventada para prevenir condições que afetam os idosos, como a perda de massa muscular” – SARCOPENIA. Embora a medicina esteja evoluindo o tempo todo, o exercício pode fazer coisas que os medicamentos não conseguem. Por exemplo, atualmente, não existe droga disponível para evitar a perda de massa e força muscular, principal fator responsável pela perda das funções físicas. Também é necessário conhecer bem as atividades físicas de vida diária (lazer, ocupacionais e esportivas), realizadas por pessoas com 60 anos ou mais, quanto à quantidade, intensidade, frequência e duração para ter uma visão mais clara o impacto do nível de atividade física nos níveis de capacidade funcional. O que é certo é que o estilo de vida sedentário moderno simplesmente acelera nosso declínio (RELÓGIO BIOLÓGICO) relacionado à idade e isso contribui para o aparecimento de doenças como diabetes tipo 2, problemas cardiovasculares e câncer.
Os atletas máster com 60 anos ou mais são o resultado de todo este incrível processo de perdas e ganhos ao longo de uma história de vida de escolhas e oportunidades.
Fonte
Burzynska AZ, Wong CN, Chaddock-Heyman L, Olson EA, Gothe NP, Knecht A, Voss MW, McAuley E, Kramer AF. White matter integrity, hippocampal volume, and cognitive performance of a world-famous nonagenarian track-and-field athlete. Neurocase. 2016;22(2):135-44. doi: 10.1080/13554794.2015.1074709.
Taveira HV, de Lira CAB, Andrade MS, Viana RB, Tanaka H, Hill L, Nikolaidis PT, Knechtle B, Rosemann T, Vancini RL. Isokinetic Muscle Strength and Postural Sway of Recreationally Active Older Adults vs. Master Road Runners. Front Physiol. 2021 Mar 18;12:623150. doi: 10.3389/fphys.2021.623150.